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Foto do escritorContos Conjugados

Nascer


“Brilham lumes no céu? Sempre brilharam.

Dessa velha ilusão desenganemos:

É dia de Natal. Nada acontece.”

(“Natal”,

José Saramago)


A carroça passava com velocidade pela Praça da Constituição quando a roda esquerda acertou uma das muitas pedras soltas da rua, justamente a mais saliente delas, resultando daí sua carga catapultada para trás. Fosse, contudo, pela escuridão da noite alta mal vencida pelos candeeiros da iluminação pública, fosse pela pressa natural de quem carecia de se livrar logo da tarefa inesperada para ainda retornar a tempo de saborear a dobradinha natalina que não era muita, fosse pelo estado de distraída estupefação dada a fatalidade que surpreendera a vizinhança logo em tão festiva data, os dois homens sobre o veículo seguiram o percurso sem atinar para a carroceria vazia. Apenas depois de cruzar a cidade até, por fim, chegar à praia de Santa Luzia e puxar o bridão do cavalo em frente ao Hospital da Misericórdia, deram falta do corpo.

O homem mais velho, pragmático, buscou reconstruir mentalmente o caminho e as ações desde que colocaram na carroça o vizinho fulminantemente vitimado talvez por alguma apoplexia aguda, mas não foi capaz de lembrar nada que viesse a justificar o desaparecimento, o breve episódio na Constituição acima aludido não se fixara em sua memória. Porém, o outro, bem mais moço e cuja natureza pendia a superstições, intuiu um “Milagre de Natal”, capaz que voltassem para casa e por lá encontrassem o vizinho vivo, era possível, não? O primeiro coçou a cabeça e algum senso de responsabilidade queimou os dedos que lhe tocavam a própria testa, mas o citado espírito prático sobressaiu e logo concluiu ele que o problema que haviam se disposto a resolver perdera de súbito seu objeto a partir da ausência do morto, de modo que lhes caberia apenas retornar aos seus lares, antes que até a tigela de compota estivesse vazia.

Ademais, não seria exagero dizer que o destino daquele corpo, seja lá qual tivesse sido, era melhor do que o de ser enterrado nas covas rasas do Cemitério da Misericórdia, de onde braços e mãos saíam da terra a cada nova tempestade que lhe revolvia, como se os defuntos quisessem escapar daquela desgraça em morte que parecia maior do que a experimentada em vida, mesma terra para onde depois eram enviados de volta à custa de muitas pancadas de pesados troncos de árvores também semelhantes em intensidade às que sofreram quando vivos, física ou figurativamente, tudo isso enquanto os abastados aproveitavam os confortos de seus aposentos no chão do altar ou nas paredes das igrejas. Mas essa era uma elocubração inútil que não justificava nada, enquanto as explicações do rapaz que o acompanhava, mesmo absurdamente mágicas, na verdade entregavam solução que seu olhar realista do mundo não alcançava no momento, podendo assim se tornar convenientes, conforme ele refletia embora guardando ainda cautelas.

O inegável é que o enredo se dotou de muita credibilidade — se não tanto, digamos que ganhou um efeito cênico bastante loquaz — quando surgiu no céu límpido daquela noite a repentina e cintilante Estrela de Natal, a ofuscar até a lua pálida e melancólica que mal se fazia perceber. Da beira da praia, o homem mais novo observou o fenômeno por vários minutos antes de, aquiescendo que voltassem para as bandas de Mataporcos, entrar novamente na carroça, ao tempo em que o mais velho, com certa indiferença, ou antes com algum espanto pelo exagero da reação, jurava que via, mesmo no breu, lágrimas de emoção marcarem o rosto do rapaz. Já sentado ao veículo, o moço discursava que, se o vizinho afinal não havia acordado e se precipitado de volta ao seu rés-do-chão — o outro, com alguma ironia não necessariamente percebida, argumentava que ressurreições eram milagres pascoais e não natalinos — só podia mesmo ter se transformado naquela estrela que por agora cortava a abóbada, vagando corporeamente ao Paraíso sem necessidade de sepultamentos em campos santos.

Sempre mais objetivo, o homem que tinha a rédea às mãos voltou-se com nova atenção para a luz distante e presumiu se tratar de um cometa, mas o jovem tagarelava que era mesmo um 25 de dezembro único esse em que reaparecia ali, como na Belém oriental há 1844 anos, a Estrela de Natal que anunciara o nascimento do Cristo, o que só podia significar que seria o presente e o futuro um tempo especialíssimo para os habitantes da cidade e que, dali por diante, além de a vida de todos decerto se desenvolver com menos miséria, os mortos da nova terra escolhida por Deus talvez não precisassem realmente mais se ocupar de serem sepultados em cemitérios ou igrejas ou até clandestinamente em praias porque, como o seu vizinho, o primeiro dentre todos, viajarão ao Éden com corpo e alma fundidos num só brilho no céu. E por que logo ele, tão invisível a todos, fora eleito precursor desse bem-aventurado caminho mais curto ao espaço divino?, perguntou o outro, mas apenas a si mesmo, para não ferir sensibilidades — não gostaria de obter a resposta de que não cabe julgar o morto pelas sua personalidade de vivo já que certamente ninguém vive a experiência da morte sem transformações pessoais significativas, ou outra réplica dessa qualidade.

Julgando que o rapazola estaria no limite de alguma heresia impensada, o homem mais velho, já um pouco enfastiado mas sem intuir decifração para o extravio do corpo a qual aquietasse seus pensamentos e as perguntas que sem dúvida os outros moradores do arraial fariam (menos por apreço ao vizinho excessivamente reservado e calado e por isso pouco carismático do que por gratuita curiosidade pela morbidez), enfatizou ainda para si o quanto era mais oportuno abraçar aquela patuscada toda, já que, embora improvável, dava um fim ao mistério, mesmo que um fim hipotético. Fez por isso um sinal com os dedos, em agradecimento, na direção do cometa ou da estrela ou do que lá fosse aquela providencial luz cósmica — se ela não carregava consigo responsabilidade no ocorrido ou ligação direta com ele, fornecia-lhe por outro lado uma desculpa persuasiva aos mais crentes, que não eram poucos, é certo que fantasiosa mas positivamente satisfatória, dadas as tendências supersticiosas dos que o cercavam.

Seguindo o rastro do mesmo brilho etéreo que cortava o céu escuro, os três mancebos que desciam a pé a Rua do Espírito Santo chegavam ao Largo da Constituição naquele exato segundo. Planejaram por toda a tarde que iriam à Missa do Galo, como dizia a pilhéria, menos para rezar pelo menino do que para ver rezar as meninas, mas se embriagaram a tal ponto que não tinham condições de entrar em uma igreja — havia, ao menos, lhes restado essa consciência — porque não podiam com alguma decência e altivez forjar devoções naquele estado. Resolveram então caminhar para curar os efeitos do álcool até que se obtivesse um nível que permitisse dissimulação de normalidade, antes de se dirigirem para os hotéis que ofereciam bailes com serrabulhos e licores após o evento eclesiástico e em que seguramente encontrariam também as já então impacientes “casadeiras”, como a chamavam entre si, a lamentarem as prometidas mas frustradas presenças dos rapagões na cerimônia santa.

Em razão de andarem com os olhos voltados para a encantadora estrela (e não, é claro, por estarem bêbados) é que tropeçaram no homem que estava deitado na beira da praça, em frente ao antigo solar meio abandonado que pertenceu ao Visconde do Rio Seco. Um deles chegou a cair sobre o lixo amontoado mais à frente, logo se levantando, a demonstrar com certo orgulho que a habilidade ainda vencia a embriaguez. O que jazia no chão estava em condições deveras pior — bebera mais do que os três juntos, especularam eles, porque com todo o súbito alvoroço não havia acordado de seu torpor nem para breve resmungo que se dignasse a emitir. Os homens olharam ao redor, preocupados, cada um para um lado e em movimentos irregulares. Mesmo sendo tempo das Festas e, por isso, presumível que se possa ignorar o toque do Aragão que obriga recolhimento às dez da noite, estar parado na rua a tais deshoras, em especial dormindo, sobretudo quando tão próximo à cavalaria, o que é um risco adicional, resulta em ir parar com os ossos na cadeia sem apelação não só por se achar em desordem e embriaguez, mas também por vadiagem, conjunto de causas que em algumas ocasiões não permite livrar do recolhimento nem os alemães ou ingleses que circulam por essas terras.

Olharam o homem com atenção. A conclusão irrevogável era a de que não o conheciam, os trajes aliás evidenciavam o seu não pertencimento ao mesmo estrato social dos três principezinhos e era natural que a relativamente pequena cidade em que todos se cruzam não tenha, em contrapartida, vinculado seus caminhos para além dessa coincidência espacial que, por vezes, parece quase absurda consequência das organizações urbanas contemporâneas. Mas os três sentiram que era preciso ajudá-lo. Poderiam estar movidos por um sentimento natalino em voga nos círculos ingleses leitores do fenômeno literário Charles Dickens e seu A Christmas Carol, a tentar espalhar valores de generosidade nas classes privilegiadas ou a fazer as menos favorecidas nela acreditar — poderiam estar por isso movidos, repitamos, caso o tivessem lido. Quiçá na verdade se imbuíssem de uma solidariedade alcoólica que no fundo faz de todos aqueles que muito bebem membros de uma hospitaleira confraria do vinho. Lá se expliquem como bem se entender as procedências ou os motores do ato, apenas o que se pode narrar com lealdade aos acontecimentos é que simpatizaram com o homem e tomaram iniciativas de o auxiliar a escapar de um flagrante da guarda municipal.

Era preciso, no entanto, tornar crível que o pobre estivesse circulando com o trio, de modo que o primeiro lhe cedeu a cartola negra, o segundo presenteou-o com o lenço encarnado e, por fim, o terceiro ofereceu suas luvas brancas. Não combinavam com o colarinho sebento e o colete puído do bêbado caído perto da sarjeta, mas no escuro nem um eventual intendente a lhes cruzar a passagem perceberia tais incompatibilidades, a não ser que muito se aproximasse. Os dois mais corpulentos ergueram então o homem, cada um por um dos braços que passaram por trás dos respectivos pescoços, a mão direita de um lhe firmando pelo pulso direito, o outro reproduzindo a ação de modo especular, somente a trocar nesse caso direitos por esquerdos, de maneira que parecia que o recém-conhecido caminhava com eles, entre os dois, abraçando-os fraternalmente, apesar dos pés que seguiram se arrastando. E assim partiram os quatro pela Rua do Conde, andando no meio da via já que não se contava com passeio naquelas bandas, três deles cantando com alguma troça os hinos da época, intercalando-os com os gritos de “Festas! Festas! Festas! Festas!”.

É de se compreender que pareça inverossímil o fato de, com o rosto defunto tão próximo aos seus, os dois homens não terem constatado a verdadeira circunstância que o infeliz vivia (com o perdão da infame escolha vocabular). Mas igualmente será compreensível que tamanha quantidade de álcool que os embebia viesse a ser suficiente para esterilizar o bafo da morte antes que lhes pudesse alcançar a ciência. Além disso, disfarçava também algum odor funéreo o cheiro forte de peixe que comumente inunda o Rio de Janeiro à noite, fruto do óleo de azeite animal que queima nos candeeiros bruxuleantes mas pouco efetivos, muito mais a federem do que a iluminarem. Daí que os rapazes ignorassem ser definitivo o desmaio do homem e seguissem satisfeitos por acudir quem julgavam uma vítima dos prazeres do vinho, para eles a mais feminina das bebidas pois sempre tão espirituosa e sedutora quanto dissimulada. A solução, entretanto, era paliativa. Não podiam perder a noite de Natal a carregarem o peso, mesmo que não fosse tanto, até que se curasse a sua inconsciência bacante. Era necessário dar a ele um destino que o mantivesse protegido de confusões até o amanhecer.

Foi quando tomaram a Rua do Núncio em direção à do Hospício que um deles, precisamente o que não se ocupava do trabalho físico, teve uma dessas ideias que, quando nascem em momento de sobriedade, falta a medida exata de coragem para a executar. Naquela condição, porém, ele não apenas a comunicou como recebeu a efusiva aprovação dos companheiros, cujos bons sensos, se existiam em algum nível, encontravam-se também obliterados. Por isso, sempre com a crença de que seguiam a Estrela de Natal ou que, como já era crível devanear, eram seguidos por ela, mais à frente dobraram a Rua dos Ciganos, em busca do número 40, em que se localizava o armazém do Barros.

Conforme previram, encontraram a oficina fechada e era bastante provável que o Barros, devoto fervoroso, estivesse com a família na Missa do Galo, quiçá na da Capelinha da Matacavalos. Na rua, não viam ou ouviam viv’alma. Assim, com uma destreza e uma força que somente a juventude é capaz de conceder a alguém tão embriagado, aquele que teve a ideia a pôs em prática, forçando e arrombando a porta do estabelecimento comercial com silenciosa agilidade, e dessa maneira entraram todos os quatro no lugar. A escuridão inicial os impedia de enxergar qualquer coisa, mas os olhos foram se habituando (é evidente, apenas os olhos de três deles, porque o quarto nada mais veria) e o lugar tomou forma pouco a pouco. Quando isso foi o suficiente para se distinguirem velas fincadas em bonitos castiçais, deixaram o novo companheiro no chão e escapuliram para as acender num dos mais baixos candeeiros fétidos da rua. Retornaram um por vez e cada gradativo foco de luz que surgia à porta legava uma nova dimensão ao que estava armado no interior da loja. Mais ao fundo, ocupando largo espaço que no restante do calendário é dedicado aos ofícios comerciais, estava o imenso presepe que, por vezes sob o canto em coro de suas próprias filhas, o comerciante-artista oferece à apreciação pública todo ano há mais de uma década, dizem que por cumprimento de promessa, franqueando-o a visitas até meados de janeiro sem outra recompensa do que o respeito ao mais importante fato da crença religiosa, segundo ele mesmo faz publicar.

A cena ornada com arte e engenho e com peças todas esculpidas pelo próprio Barros não se resume à manjedoura do Menino-Deus cercado pelos Santos Pais e pelos Reis e por burricos e vacas, mas traz uma ampla montagem em anfiteatro que remete à antiga cidade natal do Cristo aos moldes porém das mais modernas urbs do atual século, com torres suntuosas, monumentos neoclássicos, igrejas belíssimas com sinos imponentes e casas, tanto as simples choupanas quanto os vistosos palácios, sempre aconchegantes, todas com gradeados ao redor e vidros nas janelas. Nas limpas ruas iluminadas por modernos lampiões a gás, habitantes de toda classe, trajados à moda do Minho, vagam pelo calçamento, de almocreves e saloios a duques e barões, a dançarem felizes uns com os outros uma canção que se pode supor alegre, tudo em meio a cães e gatos e coelhos delicados e até leões majestosos mas mansos, além dos camelos dos Magos, trio formado pelas mais ricamente vestidas personagens do espetáculo. E espalham-se flores também pelas esquinas e morros, miríade de flores coloridas e certamente cheirosas. Pendurados ao alto, muitos rechonchudos anjinhos de barriga para baixo voam e admiram o cenário de paz e comunhão. Ao fundo, as montanhas de bosques verdíssimos, em que circulam pastores com seus rebanhos e ao pé das quais um chafariz jorra água para formar um lago com peixinhos vermelhos, separam o sol e a lua que coabitam o horizonte, enquanto entre esses dois astros, mais ao alto do maior pico montanhês, todo o poético quadro é iluminado por enorme e reluzente Estrela-Guia muito dourada a espelhar e multiplicar as luzes das velas portadas pelos invasores, astro que, é indubitável, figura como o único elemento que, e assim mesmo somente naquelas recentes horas, encontrava par na cidade real, exterior ao estabelecimento, a mesma cidade vazia e silenciosa que por alguns longos minutos os três bêbados até olvidaram que existia.

O líder do grupo (já o poderíamos chamar assim) advertiu de que não deviam se demorar naquele prazer sacrossanto a lhes embebedar pelos olhos tanto quanto o vinho fizera pela boca. Antes de escapulir, no entanto, num último rompante de magnanimidade natalina, ele ponderou que o chão duro não era o lugar mais adequado para abandonar o homem que resgataram na rua, porque, embora o álcool provavelmente tornasse tudo indolor no momento, o corpo, supunha o rapaz, protestaria com veemência nos próximos dias por se submeter a tamanho desconforto. Arrastaram-no então até a lapinha com chão repleto de palha em que estava o recém-nascido divinal, tiraram a imagem do bebê da manjedoura, pousaram ali no delicado e simplório berço a cabeça do homem e depois aconchegaram o pequeno infante no abrigo dos seus braços cruzados sobre o peito. Um deles por fim pegou de volta a sua cartola, o propósito do empréstimo estava cumprido, mas o lenço e as luvas seguiram com ele, não tanto por esquecimento mas em especial pela graça de imaginar o susto do indivíduo ao acordar e se ver portador das peças finas que lhe eram tão estranhas. Após isso, os dois companheiros mais afoitos apagaram suas velas e largaram os castiçais em qualquer canto para se evadirem e ganharem a rua, de onde ainda se podia ver o fenômeno da Estrela de Natal, já sem a mesma força entretanto. Deviam correr, a fim de não se atrasarem para os bailes, de forma que se impacientaram pela demora do outro.

Ocorre que o mais diligente do trio se deteve por uns instantes além. Seria realmente de mais prudência que apagasse a vela como os amigos procederam, visto que a luz chamaria a atenção da família do Barros em seu retorno — que garantidamente não tardaria, até possivelmente (desejemos que não) acompanhada de alguns visitantes — quando o ideal é que o desacordado ficasse ali escondido das vistas de todos até o amanhecer e pudesse se fazer sumir antes de ser encontrado. O proprietário era tido como homem generoso e talvez não fizesse queixa apesar do arrombamento, porque nada fora furtado afinal, mas imagine o susto caso a descoberta coubesse a uma das suas mimosas filhinhas... Esse pensamento não bastou para o impedir de alocar o castiçal com a vela ainda acesa próximo ao homem. Tomado de repente por uma tristeza e uma gravidade e mesmo um imprevisto sentimento respeitoso cuja origem desconhecia, jamais entendeu se assim agira por força ainda dos efeitos inconsequentes do álcool ou, pelo contrário, por um facho de lucidez que rompera a sua ebriedade finalmente um pouco débil.

Antes de sair, já no umbral do armazém, virou-se uma vez mais e considerou, a partir de cálculos mentais sem nenhuma base lógica, que o homem certamente despertaria no meio da madrugada e fugiria sem ser visto e, portanto, como é adequado a qualquer Natal, as engrenagens se encaixariam e cada elemento, por milagre talvez, findaria a ser deslocado ao seu devido e feliz lugar. De toda forma, caso surpreendido ainda dormindo, a imagem do homem que teria entrado no espaço teatralizado do histórico nascimento divino para abrigar com carinho em seus braços o Deus-Menino estava eivada de uma inocência que deveria lhe tornar imputável. Olhou a cena uma última vez: para ele, o lume da vela refletia bem o contraste entre um sono tão profundo quanto a morte e a perfeição do corpinho vivo do rebento dormitando em seu colo. E concluiu que nunca um presepe figurou com tal rigor o Natal do Rio de Janeiro desses dias modernos.

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